Justiça questiona cidade pequena por gastar R$ 950 mil em show de Ana Castela
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Prefeitura deve prestar esclarecimentos
A Justiça do Mato Grosso determinou que a Prefeitura de Sapezal apresente explicações em até 72 horas sobre a contratação da cantora Ana Castela por R$ 950 mil. O show está previsto para 18 de setembro, como parte das comemorações do 31º aniversário da cidade, que tem cerca de 32.514 habitantes, segundo o IBGE.
A decisão ocorre após relatório do Ministério Público apontar indícios de sobrepreço no acordo firmado pelo município.
Diferença de valores e irregularidades
De acordo com o levantamento, o cachê de Ana Castela em Sapezal é 27% maior do que os valores pagos em outras apresentações da artista em Mato Grosso. Perícia contábil indicou ainda que a média cobrada pela empresa que representa a cantora, a Boiadeira Music LTDA, para shows de 1h30 (mesma duração prevista para Sapezal) gira em torno de R$ 750 mil. O relatório lembrou que, em 2024, Ana Castela se apresentou em Campo Novo do Parecis, município vizinho, por R$ 750 mil. Além disso, em 2024, ela recebeu R$ 650 mil em Pedra Preta e R$ 750 mil em Sorriso.
O Ministério Público também apontou divergências na definição do cachê, ausência de justificativas técnicas e irregularidades no processo de dispensa de licitação, conduzido por pregoeira comissionada em vez de servidor efetivo, o que fere a Lei de Licitações.
Decisão da Justiça
O juiz Luiz Guilherme Carvalho Guimarães determinou que a Prefeitura apresente suas justificativas antes de decidir sobre um pedido de liminar. Após a manifestação do município, o processo voltará à análise da Vara Única de Sapezal.
Debate sobre contratações públicas
O caso se soma a outros questionamentos semelhantes envolvendo cidades pequenas e shows de música sertaneja. Neste mês, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso já barrou a Festa do Peão em Peixoto de Azevedo, orçada em R$ 2,2 milhões, com shows de Zezé Di Camargo e Naiara Azevedo, por incompatibilidade entre os gastos e o déficit orçamentário municipal.
Atuação do MP começou após “efeito tororó” de Anitta
A atuação do Ministério Público sobre contratos de shows sertanejos ganhou força após um episódio envolvendo Zé Neto, da dupla com Cristiano, em 2022. Durante apresentação, o cantor fez críticas à cantora Anitta, afirmando que “não precisa fazer tatuagem no ‘toba’ para mostrar se está bem ou não” e reforçou uma narrativa de extrema direita contra a chamada “mamata da Lei Rouanet”. “Nós somos artistas que não dependemos de Lei Rouanet. Nosso cachê quem paga é o povo. […] A gente não precisa fazer tatuagem no ‘toba’ para mostrar se a gente está bem ou não. A gente simplesmente vem aqui e canta, e o Brasil inteiro canta com a gente”, disse o sertanejo.
A cantora respondeu com humor à referência ao local da tatuagem — que apelidou de “tororó” —, mas rebateu o uso da Lei Rouanet com a exposição de práticas de superfaturamento em cachês pagos por prefeituras. Segundo ela, a produtora de seus shows já havia recebido propostas para esse tipo de contrato, o que foi recusado.
A denúncia pública motivou procuradores de diversos Estados a examinar convênios e pagamentos considerados incompatíveis com a realidade orçamentária de municípios. O movimento ficou conhecido informalmente como “efeito tororó” e resultou em uma série de suspensões e investigações que permanecem em andamento até hoje.
Shows superfaturados vão de Gusttavo Lima a Leonardo
Um dos primeiros alvos foi Gusttavo Lima. Diversas apresentações do cantor foram canceladas por decisões judiciais ou recuos das prefeituras, depois que investigações questionaram cachês que ultrapassavam R$ 1 milhão em cidades com menos de 10 mil habitantes.
No ano passado, reportagem do ICL Notícias revelou que shows de Gusttavo Lima consumiam até 50% de orçamento de Cultura de pequenas cidades. Um dos casos mais graves aconteceu em Campo Alegre de Lourdes, cidade do interior baiano, que contratou show do sertanejo por R$ 1,3 milhão enquanto estava em situação de emergência por conta da seca. Detalhe: o orçamento da cidade para a Cultura era três vezes menor que o cachê cobrado.
Em maio passado, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso também anulou um contrato de R$ 750 mil entre a prefeitura de Gaúcha do Norte, cidade de pouco mais de 8 mil habitantes, e a empresa Talismã Music para um show de Leonardo. Este caso chamou atenção porque o show chegou a acontecer logo em seguida, mediante liminar, o que fez a Justiça determinar a devolução de R$ 300 mil para os cofres públicos pela empresa da qual o sertanejo é sócio. O prefeito também é alvo da ação. Ainda cabe recurso.
Shows de César Menotti e Fabiano, Israel e Rodolffo, Bruno e Marrone e Gian e Giovani também motivação ação do MP. A lista inclui ainda investigação do evento em Sorriso, onde Zé Neto detonou a polêmica com seu discurso contra Anitta e Rouanet, ganhando cachê de R$ 400 mil.
Projeto de Lei busca regularizar a gastança
Para enfrentar a recorrência dessas disputas, o senador Alessandro Vieira apresentou o PL 3364/2025, que propõe regulamentar o uso de recursos públicos em shows e eventos culturais. O texto prevê maior transparência nos contratos, destinação de pelo menos metade do orçamento a artistas locais ou regionais, além da divulgação prévia das justificativas e valores pagos, com possibilidade de consulta pública.
O espaço segue aberto para posicionamentos da Prefeitura de Sapezal, da defesa de Ana Castela, do Ministério Público do Mato Grosso e outras partes citadas que queiram responder, refutar ou acrescentar detalhes em relação ao que foi noticiado.
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